O empresário Fernando Tavares Pereira dá uma entrevista polémica ao Correio da Beira Serra.

“Gastar milhões numa zona industrial que vai ficar curta, pequena e sem acessos dignos é estragar o dinheiro da população de Oliveira do Hospital”

Fernando Tavares Pereira lembra que o interior do país continua a perder população e acusa os autarcas de não reclamarem para o território as infra-estruturas que lhe são devidas…

O empresário Fernando Tavares Pereira não se conforma com a derrapagem do prazo das obras na zona industrial de Oliveira do Hospital. “Temos uma zona industrial sem acessibilidades e que, lamentavelmente, anda em obras há praticamente dois anos”, refere em entrevista ao CBS, sublinhando ainda que esta intervenção esteja a prejudicar as empresas e não comtemple os acessos necessários.  “Gastar estes milhões numa zona industrial que vai ficar, curta, pequena e sem acessos dignos é estragar o dinheiro da população de Oliveira do Hospital”, diz. Fernando Tavares Pereira volta ainda a acusar os políticos da região de não reivindicarem as infra-estruturas prometidas para a região, mas “que não saem do papel”.

CBS- Tem sido critico em relação às obras da zona industrial de Oliveira do Hospital. Porquê?

Fernando Tavares Pereira – É inaceitável que as obras se prolonguem por dois anos e que não contemplem aspectos importantes como as acessibilidades. Mas todo o Interior anda perdido ao nível da política e das responsabilidades, embora existam uns concelhos melhores que os outros. O concelho de Arganil, por exemplo, antes de colocar empresas na zona industrial criou as infra-estruturas necessárias. Fez acessibilidades em condições. Isso foi esquecido no concelho de Oliveira do Hospital. Como se ficou pelo papel a zona industrial prevista para Nogueira do Cravo. Agora temos uma zona industrial sem acessibilidades e que, lamentavelmente, anda em obras há praticamente dois anos. É inacreditável.

As empresas que se encontram naquela zona estão a ressentir-se com as obras?

Quem lá está a trabalhar, como é o nosso caso, sofre com as dificuldades que as obras estão a causar. Em minha opinião, foi tudo feito levianamente. Antes de se começar um projecto tem de se pensar no que se quer fazer. Depois deve-se criar condições para que as empresas que lá estão instaladas possam continuar a laborar sem dificuldade. Não é isso que se verifica. No centro de inspecções temos perdido alguns clientes. Os acessos que lá estão são uma vergonha e andam à volta daquilo, repito, há dois anos.

Houve ausência de planificação por parte da autarquia?

Parece-me óbvio. Como é que se pode andar dois anos em obras numa zona industrial como aquela? Só demonstra que não há programação, não há dinâmica, não há vontade…. Enfim, não há nada. Quem tem lá empresas, como eu tenho, obviamente que se sente prejudicado. Tudo aquilo, além dos prejuízos directos, passa uma má imagem do concelho. E tudo porque não existiu uma planificação decente, nem respeito por quem lá está. Gastar estes milhões numa zona industrial que vai ficar curta, pequena e sem acessos dignos é estragar dinheiro da população de Oliveira do Hospital.

As responsabilidades devem ser atribuídas apenas ao actual presidente?

Não. O descontrolo já vinha do seu antecessor. E digo isto, não por o ter o actual presidente como amigo, mas porque é a realidade. Apanhou com o processo em andamento. As pessoas deviam ter conhecimento antes de ir para a política. Se fosse assim as coisas eram diferentes. Mas impera a ignorância e, como eles têm o seu vencimento garantido, está tudo bem. Na zona industrial estão a gastar uns milhões de euros sem terem construído acessibilidades. Isso é um erro. Há muito que defendo um acesso em condições, uma via de quatro faixas para aquele local a partir da Catraia de São Paio ou de outro ponto. Era fundamental.

Quando prevê que as obras na zona industrial estejam concluídas?

Não faço ideia. Mas tenho a certeza que aquilo está a demorar tempo a mais e que as obras estão a prejudicar as empresas. Quando se começa uma obra deve saber-se quando vai terminar. Não é o que se passa aqui.

Quem é o responsável?

A Câmara Municipal é que deixou chegar as obras ao actual estado. Se o empreiteiro não cumpre, há que

imputar-lhe as responsabilidades. Mas é a autarquia que tem de responder perante as empresas que se encontram ali instaladas e que estão a ser prejudicadas. Pelo menos, podia pedir desculpa. Mas nem isso.

Falou da zona industrial, mas existem outras empreitadas do município que estão com atrasos elevados?

Não conheço os projectos e os contratos. Se existem prazos, estes têm de ser cumpridos ou tem de existir uma explicação válida a justificar o atraso. Tem de se responsabilizar quem não cumpriu. O povo é que não pode pagar pela culpa de outros. Se quem está à frente do município não tem capacidade para cumprir as obrigações para com quem o elegeu, então que coloque o lugar à disposição e convoque eleições.

Muitos autarcas da região estão acomodados e por vezes perdem o sentido democrata…”

Há quem o critique por falar de Oliveira do Hospital, quando é de Tábua e foi mesmo candidato a essa Câmara Municipal…

Normalmente quem diz isso nunca fez nada por Oliveira do Hospital. Para quem não sabe, tenho em Oliveira do Hospital mais de cem funcionários. Sempre investi lá. Além disso, não só lá tenho empresas, como ajudei muitas firmas a nascer naquele concelho. E só não investi mais porque os presidentes de Câmara não quiseram que eu investisse. Impediram-me de concretizar os projectos que até já estavam aprovados pela CCDR e outras entidades. A sorte de Oliveira do Hospital é ter dos melhores empresários do país. Dos mais resilientes. Pessoas que, contra todas as dificuldades, continuam a manter as suas empresas a laborar.

Continua a reclamar acessos e a acusar os autarcas de não exigirem as vias rodoviárias que estão previstas para a região…

Depois de tanta mentira, já nem vou por aí. Vamos tentar colocar a funcionar, se ainda estiver activo, o Núcleo de Desenvolvimento Empresarial do Interior e Beiras (NDEIB), para fazer chegar a indignação do povo das Beiras ao Governo. Acho que o poder central também não investe na região porque ninguém exerce pressão sobre eles. Espero que os empresários se juntem para podermos reivindicar os direitos que são devidos à região. Estou convicto que um dos problemas é também a ausência de exigência. Não podemos estar à espera dos autarcas e dos políticos locais. Grande parte deles está acomodada. Os empresários devem unir-se. Se estivermos todos juntos, o respeito é outro. Mesmo por parte do Governo.

Os autarcas não estão a desempenhar o cargo como deveriam?

Não tenho grandes dúvidas sobre isso. O PIB da região está a cair a cada dia que passa e os políticos que se encontram em Lisboa não se preocupam. Para eles quanto pior melhor. Menos peso temos, quer em termos de investimento, quer empresarial e demográfico. Muitos autarcas da região estão acomodados e por vezes perdem o sentido democrático. Em Oliveira do Hospital, por exemplo, segue-se o lema de quem não é por mim é contra mim. Quando assim acontece não há democracia. E esta ausência de colaboração com os empresários é transversal praticamente a todos os concelhos do Norte da Serra da Estrela. Não reclamam as acessibilidades que merecemos por direito, como o IC6, o IC7 e o 37. Sem esses acessos quem é vem para cá investir?  Não estão no orçamento e não vejo ninguém indignado com isso. Porque é que nos mentem? Será que nós não somos portugueses? Por vezes chego a pensar que não.

A população está adormecida, porque, principalmente nos concelhos mais pequenos, há sempre alguém de uma família que está dependente da Câmara Municipal…

Os autarcas são eleitos pelos munícipes…

Claro. E nisso também tenho a minha parte de culpa ao apoiar um determinado candidato. Acho que a escolha de um presidente de Câmara deveria ter em conta o conhecimento que ele tem das causas e a sua disposição para se bater por elas. Mas, demasiadas vezes, escolhemos por simpatia. Pela forma de estar com o povo. Isso só não chega. Fui enganado como muitos oliveirenses. Apoiei um indivíduo que disse que se demitia se não fossem construídas as vias há muito prometidas e depois, apesar de nada ter sido feito, manteve-se no cargo. Perante isto, está tudo dito. O Norte da Serra da Estrela tem sido uma vergonha em termos de políticos. Deixam fugir tudo e o povo é que fica prejudicado. Oliveira do Hospital, por exemplo, chegou a ser uma cidade, hoje é uma necessidade. Não tem acessibilidades, não tem saúde, justiça…

Se as coisas estão nesses moldes, a população não deveria reclamar mais?

A população está adormecida, porque, principalmente nos concelhos mais pequenos. Há sempre alguém de uma família que está dependente da Câmara Municipal. E não podem falar, caso contrário são perseguidos. Falo por experiência própria. Comecei do nada, como muito dos meus colegas. E tenho pena que quando as coisas estão mal ninguém diga nada. Se mantivermos esta inércia as coisas ficam mal para os empresários, para os trabalhadores e para a região. Não havendo trabalho não há desenvolvimento.

Existe uma subsidiodependência a nível nacional em que o Estado paga para que haja pessoas a não fazer nada. O país não pode ser isto. Vejo pessoas a passarem tempo Programas Ocupacionais (POC), tirar cursos apenas para receberem o subsídio e que depois não lhes serve de nada. É só estragar dinheiro. A aposta devia passar por escolas profissionais a fim de promover cursos de acordo com as aptidões das pessoas e da necessidade das empresas. Mas isso não dá votos. Dá trabalho.

Concorda com a transferências de competência para os municípios?

Não. Estou em crer que, principalmente nos concelhos pequenos do interior, vai ser dramático. As Câmaras já estão mal financeiramente. Já recebem pouco e com isto vão ter ainda menos capacidade para investir. Vamos assistir ao fim de mais aldeias, só para manterem aquilo que deveria ser suportado pelo Estado. Quando começar a faltar o dinheiro como é que se desenvolve o ensino e a saúde destes concelhos pequenos? Delegação de competências e transferência de menos capital? Não me parece que possa funcionar. Se fosse presidente de Câmara não assinava, tal como não assinou Rui Moreira da Câmara Municipal do Porto. Se houvesse muitos a tomar a mesma posição, as coisas seriam diferentes. Coesão assim? Não.

Fonte: Correio da Beira Serra