Cinco anos após o incêndio numa associação de Vila Nova da Rainha, no concelho de Tondela, a Justiça tem em curso dois processos para apurar os culpados pela morte de onze pessoas durante um torneio de sueca.
O incêndio na sede da Associação Cultural Recreativa e Humanitária de Vila Nova da Rainha ocorreu na noite de 13 de janeiro de 2018. Nesse dia, o balanço foi de oito mortos e 38 feridos, entre ligeiros e graves, mas o número de mortos aumentou para onze nos dias seguintes.
Passados precisamente cinco anos, o presidente da associação, Jorge Dias, volta na sexta-feira a sentar-se na sala de audiências do Tribunal de Viseu para responder por onze crimes de homicídio por negligência e um crime de ofensa à integridade física negligente grave, no âmbito de um julgamento que teve início em junho de 2022.
Único arguido neste processo, Jorge Dias já admitiu que o edifício funcionava sem licença de utilização e que não lhe ocorreu que esta fosse necessária.
“Não me ocorreu na altura”, afirmou Jorge Dias na primeira sessão do julgamento, contando que a associação recebia apoios quer da Câmara Municipal de Tondela, quer da Junta de Freguesia, e nunca ninguém alertou para essa situação.
Na acusação é referido que Jorge Dias, “ao não diligenciar pela legalização das obras efetuadas, impediu que o edifício cumprisse todas as normas de segurança”, concretamente no que respeita ao risco de incêndio.
Questionado pelo coletivo de juízes sobre se não deveria saber da necessidade de ter licença, uma vez que decorriam obras e que era um espaço aberto ao público, Jorge Dias justificou-se com a forma amadora como funcionam as pequenas associações: “vão-se fazendo as coisas”, sobretudo “ao sábado e ao domingo” e com a colaboração dos vários elementos da associação.
Ao longo do tempo, familiares das vítimas reclamaram que Jorge Dias não devia ser o único arguido e, entretanto, do processo que está em fase de julgamento foi retirada uma certidão que levou a um novo inquérito.
O Ministério Público indiciou o ex-presidente da Câmara de Tondela, José António Jesus, os antigos vereadores Pedro Adão e Miguel Torres e o chefe de serviço de Urbanismo Manuel Andrade pelos mesmos crimes, aos quais acrescem outros, como o de infração de regras de construção, dano em instalações e perturbação de serviços.
No arranque do julgamento de Jorge Dias, Liliana Almeida, advogada que representa as famílias de algumas das vítimas mortais, disse aos jornalistas que o sentimento predominante era de que o banco dos arguidos estava “demasiado vazio” e lembrou que decorria “um inquérito paralelo”.
“Nós formulámos um pedido e nesse pedido referimos quem são as pessoas que entendemos que deveriam estar aqui. Aguardamos que a justiça tramite os processos, que os senhores procuradores analisem e investiguem nesses inquéritos”, afirmou a advogada, mostrando-se convicta de que haveria “mais um despacho de acusação”.
Poucos dias após o incêndio, o então presidente da Câmara de Tondela, José António Jesus, explicou à agência Lusa que a associação “foi constituída em 1979, tendo desde então ocorrido diversas intervenções de construção/beneficiação”.
Segundo José António Jesus, o edifício teve “uma obra de adaptação para servir de sede da associação, em 1992, data em que existe licenciamento de obras”, tendo o processo sido “instruído com a legislação em vigor à época, incluindo o projeto de arquitetura e demais projetos de engenharia, elaborados com termo de responsabilidade do autor”.
“A obra foi desenvolvida ao longo de várias fases”, sendo “o procedimento de licenciamento deste edifício igual ao dos edifícios particulares (licença, processo instruído e termo de responsabilidade dos projetistas)”, explicou, esclarecendo ainda que “obras de conservação ou de alterações de interiores que, porventura, tenham sido introduzidas após o licenciamento são isentas de controlo prévio por parte do município”.
“Presume-se a existência de licença de utilização”, afirmou José António Jesus na altura, acrescentando que, “sempre que há conhecimento formal de que alguma obra não tenha requerido a autorização de utilização, o município procede à notificação dos proprietários para a sua regularização”.
Na noite de 13 de janeiro de 2018, pelo menos 60 pessoas participavam no torneio de sueca no piso superior do edifício, enquanto, no piso de baixo, estavam mais 15 pessoas.
A acusação refere que, devido ao “excesso de carga térmica” de uma salamandra, “a conduta de evacuação de fumos, entre o teto falso e a cobertura, rebentou, o que, por irradiação ao poliuretano projetado junto daquela fonte de calor”, deu origem ao incêndio, que se propagou rapidamente.
Como o salão não tinha uma via alternativa de saída de evacuação de emergência, as pessoas que estavam no piso superior “confluíram em pânico para a única saída com escadas de acesso ao piso térreo”, ou seja, 19 degraus sem a largura necessária exigida por lei e que terminavam numa porta de batente que abria para o interior.
A “massa humana a empurrar-se e a afunilar naquela direção” impediu a abertura da porta para o interior, “acabando as pessoas por cair umas sobre as outras”, acrescenta.