O empresário Fernando Tavares Pereira acredita que o Governo poderia transformar a actual crise na habitação numa oportunidade para combater a desertificação. O líder do Grupo TAVFER defende a descentralização pelo país dos serviços concentrados sobretudo em Lisboa, levando população para o interior e aliviando a pressão sobre a habitação nos grandes centros. Muito critico em relação aos políticos do interior, este empresário considera que quem é eleito deve abraçar uma causa, defender quem o elegeu, sem esquecer o país como um todo. “É preciso um projecto estruturante que faça do interior uma área atractiva para quem investe e para quem trabalha, com incentivos fiscais para as empresas e para as pessoas”, insiste em entrevista ao Correio da Beira Serra, sem esquecer o problemas da ausência vias de comunicação na região da Serra da Estrela há muito prometidas, mas que teimam em não sair do papel. Fala também do problema do aumento dos juros que no seu problema pode “esmagar” empresas que já vivem nos seus limites com os custos da interioridade. “Este aumento das taxas de juro, repito, pode ser uma sentença de morte para algumas das empresas que por aqui vão resistindo contra tudo e contra todos”, explica.
CBS – No final da visita que realizou durante uma semana ao distrito da Guarda, Luís Montenegro defendeu que a representatividade das regiões do interior na Assembleia da República deveria aumentar. Defendeu que a mesma fosse calculada em função do território. Seria uma medida positiva?
Fernando Tavares Pereira – Claro. Felizmente há políticos nacionais que começam a interessar-se pelo interior do país, coisa que não tenho visto aos políticos da nossa região. Rui Rio também já tinha dito que os territórios de baixa densidade deveriam receber mais investimento. Luís Montenegro está alinhado com essa ideia. É bom. Defender uma maior representatividade dos distritos do interior na Assembleia da República, em função do território, é um sinal extremamente positivo. É necessário que o interior tenha uma nova vida e meios para travar a desertificação. Repare que onde há uns anos havia 300 mil pessoas, hoje existem 150 mil e daqui a dez anos haverá 75 mil. É insuportável. Mesmo para o litoral. A defesa desta medida, que visa aumentar a representatividade na AR, deve envergonhar os políticos eleitos pelo interior que nunca fizeram nada nesse sentido.
Estas visitas aos distritos do interior têm dado uma perspectiva mais real do país ao líder social-democrata?
Penso que absorveu aquilo que são os problemas e anseios destas gentes. Viu o abandono a que foram votadas estas regiões nas últimas décadas e a falta de respeito para com quem cá vive. Esta população não tem culpa. O defeito começa nos políticos destes distritos que parecem ter sido eleitos apenas para baterem palmas no Parlamento. E também pelos políticos nacionais que olham para o interior como uma forma de ir buscar dinheiro à Europa para investir no litoral. Luís Montenegro já se apercebeu que o país tem aqui um grande problema que é mau para o interior e para o litoral.
Qual a fórmula que defende para amenizar estas assimetrias?
Sei que podem considerar que me estou a repetir. Mas a desertificação de vários distritos do país é demasiado grave para ser relegada, como tem sido, para segundo plano. Têm de existir incentivos para investimentos a partir de 50 quilómetros do litoral para o interior. Nos últimos 50 anos apenas houve investimento nos territórios de baixa densidade durante dez anos. Nos restantes 40 só existiu o litoral. Agora é preciso um projecto estruturante que faça do interior uma área atractiva para quem investe e para quem trabalha, com incentivos fiscais para as empresas e para as pessoas. É muito positivo que o líder da oposição e candidato a Primeiro-ministro comece a ganhar consciência desta realidade. Rui Rio bateu-se por isso, mas ninguém o ouviu.
É preciso também não esquecer que necessitamos de investimento na agricultura e na floresta. Estas áreas fazem parte do quotidiano das pessoas. O investimento nestes sectores da economia permitiria retirar dividendos directos e também realizar uma poupança significativa com a consequente prevenção dos incêndios.
Acredita que se houvesse união entre aqueles que ocupam cargos políticos nas autarquias desta região e aqueles que foram eleitos para a Assembleia da República, poderíamos ter um país com menos assimetrias?
Não é preciso inventar nada. Já falei várias vezes no exemplo da Catalunha que se desenvolveu a um ritmo muito superior ao da restante Espanha. Por uma razão simples: os deputados catalães, independentemente das cores políticas, defenderam sempre uma causa comum: a Catalunha. Em Portugal, os nossos deputados, que já são poucos, depois de serem eleitos nunca mais se lembram de quem cá está. Isto faz toda a diferença. Conheci a Catalunha no passado e conheço-a actualmente. Tem um elevado desenvolvimento comercial, industrial e empresarial. Teve união política. É um exemplo a seguir. Os nossos deputados têm a sua orientação política, mas acima de tudo deveriam ter as suas causas que é defender a Serra, o interior e fazer força para que sejamos vistos como gente de primeira e não de segunda. Toda a gente conhece a minha cor política, mas se tivesse no Parlamento os interesses políticos nunca se sobreporiam à defesa dos interesses da população que me tivesse elegido. Isto sem esquecer o país como um todo.
Como é que vê o actual problema que se tem colocado em termos de habitação?
O problema é a concentração nos grandes centros urbanos. O Estado tem de repartir por todo o país os serviços públicos que estão centralizados em Lisboa e, menos, no Porto. Se isso fosse feito, parte da população seria distribuída pelo território. Porque este problema é também um reflexo da desertificação do interior, dos serviços que vão encerrando e da concentração no litoral. Por aqui temos inúmeras casas abandonadas que poderiam ser aproveitadas para arrendamento de baixo custo. Não é necessária esta corrida desenfreada à construção. Não se pode tirar a casa a quem poupou dinheiro durante uma vida. Há milhares de casas devolutas no interior que poderiam reabilitadas. Resolvia parte do problema e dinamizava este território desertificado.
Ninguém apresentou essa solução…
Porque para isto ser uma realidade seria necessário que quem está no poder tivesse uma visão do país como um todo. E a deslocação de alguns serviços públicos para o interior, de resto, não seria uma novidade, porque é uma promessa antiga que nunca viu a luz do dia. A juntar a isto, entre outras, deveriam aplicar, insisto, medidas de majoração no IRS das pessoas e no IRC das empresas que escolham os territórios de baixa densidade. Mas o Estado tem de dar o exemplo. A descentralização teria ainda a vantagem de voltar a dar vida às nossas aldeias que podem oferecer uma excelente qualidade de vida às pessoas.
A ausência da construção da rede rodoviária que está prevista e teima em não sair do papel tem merecido muitas críticas da sua parte. Mas aquando da recente proposta do PCP, que previa a conclusão do IC6 até à Covilhã, o PS chumbou essa iniciativa e um deputado da região disse mesmo que construir a via até à Covilhã era actualmente inviável…
Se esse deputado diz que é inviável para que é que fizeram o projecto? Foi para gastar dinheiro? O problema é mesmo esse: gasta-se dinheiro em projectos e a obras não andam. É o país e os políticos que temos. Mas esse deputado, especificamente, fica-lhe muito mal dizer isso, uma vez que fez várias ameaças para obrigar à construção dessa via. Disse que se demitia da Câmara se não fizessem o IC6 e IC7. Que não se candidatava. A verdade é que não se demitiu, candidatou-se e as obras não avançaram um metro. Agora como deputado devia abraçar essa causa, mas não tem coragem para o fazer. Prefere dizer que o líder do PSD disse em Oliveira do Hospital que se fosse poder não fazia o IC6. É mentira. Eu estava lá e em nenhum momento disse isso. Mas tudo serve para desviar as atenções.
O traçado está feito. Coloquem-no em prática e avancem com o pedido de projecto. A desculpa de que o projecto não está feito é desculpa de mau pagador. Andamos de desculpa em desculpa. A última era que seriam necessárias as verbas do leilão do 5G. Pois bem, o leilão já se realizou e o IC 6 não aumentou um centímetro.
Pelo que diz dá a entender que o IC6 e IC7 já poderiam estar construídos?
Há muitos anos. Será que os políticos não vêem que não temos como sair daqui? Para ir de Oliveira do Hospital para o Sul da Serra da Estrela demoramos 1h30. Para nos deslocarmos para Celorico da Beira demoramos também mais de uma hora. Depois temos os radares para apanhar quem supera os 50 quilómetros por hora. E vão fazer o IC31? Para quê? E nós aqui, somos portugueses de terceira? É uma vergonha. Lamento que os deputados destes distritos não se juntem e exijam a obra. Com o dinheiro que já se gastou só em projectos, o IC6 já tinha chegado a Seia. Esse senhor deputado diz que o PSD não fez nada. Devias saber que quem começou o IC6 foi o PSD. Esse senhor devia ter sido coerente e ter-se demitido da Câmara como prometera e falar com outros colegas para agirem em conjunto. Mas não fez nada. Não é para todos.
O presidente da CM de Viseu defendeu que seria imperdoável que o Governo construísse o IC31 com perfil de auto-estrada, esquecendo o IP3…
O IP3 é repará-la e fazer duas faixas para cada lado. Não seria um investimento demasiado elevado. Com o dinheiro que tem sido gasto em projectos e reparações já teríamos a auto-estrada, menos mortes, menos acidentes e uma via que facilitaria o desenvolvimento. O problema é a falta de vontade política. Não temos votos, não temos deputados e os que temos não têm a coragem de se juntar, independentemente da sua cor política, e lutar pelas suas regiões. Estão acomodados.
O PS chumbou também, recentemente, propostas de redução e mesmo de abolição das portagens nas ex-Scuts …
É mais um dado que demonstra o sentido de responsabilidade desta gente. Como é que alguém que é eleito para defender os interesses de região pode votar contra uma medida que visa apenas repor alguma justiça e facilitar a mobilidade desta gente e retirar custos às empresas. Aliás, as Scuts nunca deviam ser portajadas. Mas pelos vistos, os deputados, que elegemos pela nossa região, acham que devemos continuar a pagar e que as nossas empresas devem suportar esse custo acrescido. Como é que os deputados socialistas do interior, da Guarda, Castelo Branco, círculo eleitoral que elegeu a ministra da Coesão Territorial, ou Viseu vão justificar este chumbo perante os seus eleitores? O que é que se pode dizer perante isto?
Tem falado também soluções para amenizar o impacto do aumento das taxas de juro. Teme mesmo que muitas empresas do interior não resistam a estas subidas?
Se nada for feito, haverá empresas nesta região que não vão conseguir absorver esses novos encargos e vão ser esmagadas. Este aumento das taxas de juro, repito, pode ser uma sentença de morte para algumas das empresas que por aqui vão resistindo contra tudo e contra todos…. Tenho falado muito nisso, mas não vejo os políticos muito preocupados. Talvez venham a acordar demasiado tarde. Quando os desempregados começarem a aparecerem perto das suas portas.
Que medidas defende para superar este problema?
Uma muito simples. Bastaria levar os bancos a estender o prazo de amortização em um ou dois anos, conforme as necessidades, o que permitiria às empresas manterem uma prestação semelhante àquela que têm hoje. Não iria prejudicar nem a banca, nem o Estado. E os encargos das empresas com essa medida seriam diluídos no tempo. Além disso, não podemos esquecer que temos uma inflação que não sabemos quando irá terminar. É preciso tomar medidas.