Um grupo de moradores de uma urbanização de Tondela apresentou queixa no Ministério Público contra responsáveis da Câmara Municipal, que acusa de “abuso de poder e favorecimento” na construção de três campos de padel.
Numa nota enviada à agência Lusa, os moradores referem que os campos, inaugurados em julho de 2022, “foram edificados junto a um bairro residencial outrora extremamente sossegado, ignorando desde cedo as regras legais de construção” e o seu direito ao descanso.
“Antes mesmo de a construção iniciar, uma comissão de moradores entregou por escrito uma carta na Câmara a mostrar o seu descontentamento e preocupação e, desde aí, tudo tem feito para demonstrar as irregularidades evidentes e escandalosas”, em reuniões com o executivo camarário, da Assembleia Municipal e junto de vários organismos “que remetem sempre para a Câmara e que esta sempre ignorou”.
Nesse âmbito, “foi elaborada e entregue uma queixa no Ministério Público, acusando os dirigentes da autarquia de abuso de poder e de falsas declarações aos técnicos que assinaram inicialmente os documentos que atestaram que tudo estava dentro da lei”, sublinharam.
Contactada pela Lusa, fonte do gabinete da presidência da Câmara de Tondela negou que tivesse havido abuso de poder e favorecimento e garantiu ter adotado “todas as medidas que, no âmbito das suas competências, poderiam ser adotadas no sentido de garantir o cumprimento da legalidade deste processo”.
O grupo de moradores alegou que os campos foram inaugurados “sem ligação dos esgotos à rede pública, sem escoamento das águas pluviais, sem um projeto de acondicionamento acústico, sem projeto de estabilidade de muros de sustentação de terras e sem parecer do IPDJ (Instituto Português do Desporto e Juventude)”.
“Mas, mesmo assim, continuam com o seu funcionamento normal e a organizar torneios regulares com conhecimento e conivência da Câmara Municipal”, lamentou.
O gabinete da presidência explicou que “o processo teve início pelo pedido de informação prévia para a construção de equipamento desportivo, deferido pela Câmara”, mas que, “detetado o início da execução das obras, foi instaurado o processo de contraordenação e consequentemente arquivado o processo de licenciamento apresentado”.
“A 19 de julho de 2022 foi emitida autorização de utilização na sequência do pedido de legalização apresentado, sendo público que a inauguração do espaço ocorreu a 13 de agosto de 2022”, explicou.
A fonte do gabinete da presidência garantiu que, durante o processo, “o município, por diversas vezes, reuniu e prestou informações à comissão de moradores sobre os desenvolvimentos”, forneceu “todas as cópias” e autorizou “todas as consultas ao processo”.
“Várias têm sido as entidades perante as quais os referidos moradores têm apresentado queixas”, que têm notificado o município para prestar “as devidas informações sobre as diligências adotadas”, contou.
Uma das entidades foi o Serviço de Proteção da Natureza e do Ambiente (SEPNA), que “informou de nunca ter resultado das deslocações a verificação de qualquer irregularidade”. Outras entidades foram a Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Centro, a Inspeção-Geral da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território e o próprio Ministério Público que, “perante toda a informação prestada, arquivaram ou não deram seguimento aos processos”, acrescentou.
Segundo a fonte da autarquia, após a denúncia da comissão de moradores, “os serviços de fiscalização deslocaram-se ao local no dia 21 de outubro de 2022” e concluíram que “não existia rede de águas pluviais às quais o promotor do espaço pudesse executar uma ligação, pelo que é da responsabilidade desse promotor a respetiva condução de uma forma natural e/ou um reaproveitamento das mesmas”.
“Porém, com a derrocada no muro (posterior), a comissão de vistorias constituída por técnicos deste município habilitados para acompanhar os trabalhos considerou que havia uma hipótese de ligação à caixa de escoamento do loteamento contíguo, o que se encontra executado”, explicou.
Atualmente, acrescentou, “a ligação à rede pública de esgotos daquele espaço encontra-se executada, sendo que, até essa execução ocorrer, esteve ligado a uma fossa estanque”, que era vistoriada pelo SEPNA.
No que respeita aos muros, esclareceu que “o licenciamento municipal abrange, somente, o troço de muro confinante com a via pública, visto que os demais estão isentos de controlo prévio”, de acordo com um regulamento municipal.
A fonte do gabinete da presidência garantiu também que “o licenciamento deste equipamento desportivo não carece de qualquer parecer do IPDJ, situação que veio a ser posteriormente confirmada pelo próprio IPDJ”, a pedido do município e após as reclamações da comissão de moradores.
O grupo de moradores lamentou ainda que os campos sejam “dentro de uma tenda de ‘plástico’, sem certificado acústico, que em nada condiciona o barulho produzido pelo jogo em si”.
“Os campos podem funcionar os sete dias da semana, até às 23:00, e o bar de apoio tem um horário até às 02:00” mas, no seu entender, “por lei geral e regulamento publicado na página da câmara, nos estabelecimentos mistos deveria prevalecer o horário único da atividade principal, isto é, encerrar tudo às 23:00”.
Apesar de um teste de ruído feito por uma empresa contratada pela câmara ter demonstrado que “os níveis de ruído produzidos ultrapassavam o estipulado por lei”, a situação não foi resolvida, criticou.
De acordo com os moradores, a solução encontrada pela câmara “foi notificar os proprietários, sem lhes exigir um projeto de condicionamento acústico, dar-lhe 30 dias para resolverem o problema e eles (proprietários que estão a infringir a lei) contratarem e fazerem novo teste”.
Desde então, a alteração verificada foi a colocação de “uma cortina preta de tecido do lado dos moradores para a sua própria privacidade” e a contratação de “uma empresa para o novo teste de ruído, que lhes foi favorável, como esperado”, acrescentaram.
Questionada sobre os horários quer dos campos de padel, quer do bar, e a sua legalidade, a fonte da autarquia não especificou, dizendo apenas que a limitação “teve lugar através da determinação do encerramento do funcionamento do equipamento desportivo às 23:00”.
Segundo os moradores, “existe um parecer escrito por uma advogada da câmara e assinado pelo diretor de departamento de planeamento, urbanismo e edifícios e pela chefe de divisão jurídica, contencioso, execuções fiscais e fiscalização que indica que o bar (e até os campos) nunca poderiam ter aquele horário, pois legalmente o direito ao lazer e à iniciativa privada nunca se sobrepõem ao direito ao descanso”.
“Mas, mesmo sendo um documento interno, a câmara nunca o fez cumprir, o que nos leva a desconfiar o porquê de desculpabilizar e apoiar sempre tais incumprimentos”, lamentaram, aludindo a “compadrios doentios” que já se verificaram noutras situações.