Dois ex-funcionários públicos acusados de corrupção por alegadamente intermediarem a troco de dinheiro processos para facilitar a atribuição de pensões foram hoje absolvidos pelo Tribunal de Leiria, por não se terem provado os crimes.
O Tribunal de Leiria absolveu um ex-funcionário da Segurança Social de Leiria e outro antigo trabalhador do Centro Nacional de Pensões (CNP) porque “não se provaram vantagens concretas” e “houve testemunhas que disseram que não conseguiram as suas reformas” e outras que “demoraram muito tempo”, justificou o juiz presidente do coletivo.
“Não se verificaram os pressupostos do crime de corrupção, nem se provou que os arguidos tenham praticado o crime de corrupção passiva e ativa. Não se provou a prática de qualquer crime”, sublinhou o juiz presidente, admitindo, contudo, que “algumas coisas ficam por explicar”.
Segundo o despacho de acusação do Departamento de Investigação e Ação Penal Regional de Coimbra, ao ex-funcionário da Segurança Social, o Ministério Público (MP) pedia que fosse declarado perdida a favor do Estado a quantia de 655.069,43 euros e ao outro arguido 26.357,55 euros, valores supostamente provenientes da atividade criminosa.
O então funcionário da Segurança Social de Leiria, de 68 anos e residente em Porto de Mós, elaborou, no mínimo desde 2008, “um plano que lhe permitiria aproveitar os conhecimentos que tinha e, assim, passar a obter elevadas quantias em dinheiro”, referiu o MP.
Nesse sentido, passou “a prestar serviços a pessoas para efeitos de requerimentos de pensões de velhice ou de invalidez”, com aconselhamento técnico e até jurídico, “sempre com preferência pelas pensões de invalidez, na medida em que seriam mais benéficas ao nível dos valores a receber pelos beneficiários e, consequentemente, nos valores que o arguido receberia destes”.
O MP adiantou que este arguido, que exerceu funções de motorista e está acusado de corrupção ativa, cobrava aos beneficiários que o procuravam um valor variável, “sendo que a primeira pensão recebida era o valor que lhe deveria ser pago, sempre em numerário e sem qualquer fatura”.
Para efeitos da atribuição da pensão de invalidez eram necessárias e essenciais informações médicas que atestassem os fundamentos clínicos da invalidez e inaptidão para o trabalho, para posterior submissão dos beneficiários a uma Comissão de Verificação de Incapacidade Permanente (CVIP, vulgarmente conhecida como junta médica), pelo que o arguido começou a encaminhar aqueles para dois médicos da sua confiança.
Nas consultas, era analisada a documentação clínica existente, “sendo solicitados outros exames complementares de diagnóstico, procurando sempre pedir um conjunto alargado de exames que abrangessem especificamente a patologia osteoarticular”, mais incidente na faixa etária dos beneficiários encaminhados.
O arguido, que se deslocava frequentemente à CNP e à Caixa Geral de Aposentações, ambas em Lisboa, “para garantir os melhores resultados e que os seus processos tivessem uma via privilegiada nos centros decisórios”, recebia os beneficiários em diversos locais, incluindo a sua casa, mas a certa altura instalou-se num gabinete de um escritório de advogado de Porto de Mós.
Este arguido e o ex-trabalhador do CNP, de 63 anos, acusado de corrupção passiva, combinaram que o primeiro começaria a pedir, “mediante contrapartida de pagamentos” ao segundo, “informações e atuações” relativas a determinadas pessoas e ao estado de alguns processos de reforma.
Para o MP, o então funcionário da Segurança Social de Leiria, ao organizar este esquema, “pretendeu auferir elevadas quantias monetárias, fazendo com que os processos que organizava dos seus beneficiários tivessem um tratamento administrativo diferenciado, à medida e mais célere”.
Por outro lado, após receber “elevadas quantias em dinheiro por parte das centenas de beneficiários que teve ao longo dos anos”, pretendeu “converter as vantagens dos crimes noutros bens e ocultar a sua real proveniência”, exemplificando com a compra de um apartamento.
Para concretizar este plano, recrutou o funcionário do CNP que conseguia que “fossem tomadas decisões de antecipações de pagamentos a beneficiários”, assim como “alterações de dados desses beneficiários (…) e ainda que fossem tomadas decisões em processos administrativos concretos”.