Orgulho pelas conquistas do 25 de Abril e desilusão pelo atual estado da democracia portuguesa são alguns dos sentimentos de três ex-autarcas que iniciaram a militância nas fileiras da Oposição Democrática ao fascismo.
Manuel Rocha (PCP), Abílio Curto (PS) e Jaime Soares (PSD) estão atualmente em partidos diversos, mas há 50 anos tinham em comum o facto de desenvolverem atividade política organizada em torno do Movimento Democrático Português – Comissão Democrática Eleitoral (MDP-CDE), que tinha uma matriz ideológica socialista.
“Não temos hoje soberania e sem ela não somos livres”, disse Manuel Pires da Rocha à agência Lusa, que deu o exemplo da gestão dos mares: “Quem pesca mais da nossa sardinha não somos nós”, os portugueses.
Para este membro do PCP de Coimbra, que quatro dias após o 25 de Abril, em Condeixa-a-Nova, liderou o levantamento popular que instalou um novo executivo municipal, a Revolução dos Cravos “foi um encantamento” proporcionado pelo golpe militar do Movimento das Forças Armadas (MFA).
“Tudo aquilo que é revolucionário perde-se no tempo se não for alterada a máquina do Estado”, opinou.
Num momento em que, a nível mundial, “o homem não está a tratar a Terra convenientemente para nela sobreviver”, o antigo eleito da APU na Assembleia de Freguesia de Santa Cruz, em Coimbra, de 89 anos, lamentou, com “alguma frustração”, que Portugal esteja “numa situação próxima da que saiu” em 1974.
“Isto avança por ciclos, faz parte da dinâmica histórica”, defendeu Manuel Rocha, “sem perder a esperança” num processo de emancipação da Humanidade que permita “a criação de uma riqueza que não ofenda” o planeta.
O militante do PS Abílio Curto, de 83 anos, que durante cerca de 20 presidiu à Câmara da Guarda, considerou que “a democracia portuguesa está em perigo”, com o crescimento do número de deputados de “um partido nitidamente antidemocrático”.
Numa alusão indireta ao Chega, de André Ventura, que definiu como “partido de um homem só”, Curto disse à Lusa que a Constituição da República, sujeita a várias revisões desde 1976, “é clara ao não permitir a criação de partidos fascistas”.
Na Guarda, “cerca de 90% dos eleitores chegaram a votar no PS”, mas os socialistas, nos últimos anos, “acabaram por perder a hegemonia” de outrora no concelho.
Ambos atingidos por “casos e casinhos”, os dois maiores partidos, PS e PSD, “acharam-se donos da democracia”, criticou o militante da Guarda.
E em geral, na sua ótica, as forças políticas “não foram capazes de transmitir aos jovens o que foi a ditadura e o 25 de Abril”.
“Porém, não temos nenhum regime melhor do que a democracia”, preconizou Abílio Curto, que chegou a acumular as responsabilidades de autarca com as de deputado.
Jaime Soares, 81 anos, esteve na Câmara de Vila Nova de Poiares de 1975 a 2013. Foi eleito para 10 mandatos consecutivos pelo PPD-PSD, a partir de 1976, e intercalou igualmente o trabalho autárquico com funções parlamentares na Assembleia da República.
Em jeito de balanço, o também antigo jogador de futebol, “bombeiro desde a juventude”, salientou à agência Lusa que o 25 de Abril possibilitou “uma realização fantástica” a vários níveis no município por si liderado perto de 40 anos.
O PS conquistou a Câmara pela primeira vez em 2013, com a eleição de João Miguel Henriques, que se mantém na presidência.
Só que Coimbra “foi sempre madrasta dos concelhos vizinhos”, incluindo Poiares, considerou, exigindo, em alternativa à estrada da Beira (EN17), uma nova ligação de Poiares à capital do distrito, à A13 e ao IP3.
“Sinto grande orgulho naquilo que os poiarenses fizeram depois do 25 de Abril”, declarou Jaime Soares.
Rejeitou ainda uma eventual “lei do compadrio na governação autárquica”, ao recordar o longo tempo em que os conterrâneos o investiram como “gestor a prazo” do concelho.