A greve geral dos vidreiros da Marinha Grande, em março de 1974, para exigir aumento salarial de 100 escudos para todos os operários, está por valorizar, defendeu um estudioso da História do concelho.
A importância desta greve está por valorizar. É um facto indesmentível”, afirmou Luís Neto à agência Lusa, referindo que esta paralisação demonstrou aos vidreiros e a outros trabalhadores que, “afinal, valia a pena lutar e arriscar as represálias do regime e das polícias, além da superação dos reformismos sindicais”.
Segundo Luís Neto, que foi trabalhador da indústria vidreira antes de se tornar oficial de justiça, agora reformado, a importância da greve deveu-se também ao facto de “ser decretada por tempo ilimitado”, até à satisfação da reivindicação principal, que era “a obtenção do aumento salarial de 100 escudos, e para todas as categorias”.
Com vários livros publicados, o autodidata que tem investigado a História do concelho da Marinha Grande e da região sustentou que “a greve foi menos falada e dissecada, não pelo impacto do 25 de Abril, mas, sim, porque no último dia” ocorreu “a chamada Intentona de Caldas da Rainha de 16 de março”.
Na madrugada desse dia, militares do Regimento de Infantaria n.º 5, em Caldas da Rainha, avançaram para Lisboa, com o objetivo de derrubar o Governo, mas a tentativa de golpe de Estado, cerca de um mês antes da Revolução de 25 de Abril de 1974, falhou.
No livro ‘Luta Constante. Orla da Mata – 3’, publicado pela editora Hora de Ler, no capítulo dedicado à greve geral na indústria vidreira, Luís Neto escreveu que “após a chamada Conciliação, relativa ao CCT [contrato coletivo de trabalho] da indústria vidreira, em junho de 1972, os vidreiros encontravam-se em luta por aumentos salariais”.
A este propósito, assinalou haver dois aspetos essenciais: “Os industriais arrecadavam grandes mais-valias ou lucros, com boas encomendas; os operários tinham salários baixos e com diferença substanciais entre as várias categorias”.
“Já em junho de 1973, os Sindicatos do setor vidreiro tinham enviado ao Grémio Nacional da Indústria Vidreira uma proposta de alteração das tabelas salariais”, mas o acordo não foi alcançado. Houve também uma tentativa de conciliação, sem sucesso, lê-se no livro.
Ainda na mesma obra, o autor referiu o plenário de operários vidreiros no Sport Operário Marinhense, em 13 de março de 1974, e a decisão de “partir para a greve por tempo ilimitado até à satisfação das reivindicações, em todos os setores da indústria vidreira, reivindicando-se um aumento salarial igual para todos, o que foi, e ainda é, um acontecimento importante”.
“Tudo indica que foram os operários” da Vicris/Crisal a dar início à paralisação, lê-se no livro, explicando que, “na noite de 14 para 15 de março”, na Crisal, “a PSP tentou entrar nas instalações da fábrica, mas os polícias foram impedidos por jovens operários que empunharam canas com vidro quente”.
Também na Ivima ocorreram episódios semelhantes, “com ameaças de que vinha até lá a PIDE para prender os grevistas, mas estes não cederam às provocações”, escreveu o autor, para sublinhar que “a greve verificou-se, no seu final, praticamente a 100%”.
Luís Neto considerou no livro que “também a perigosidade desta luta é de realçar, devido às possíveis prisões — que na maior parte dos casos eram feitas sem culpa formada e sem libertação à vista -, sendo que os dirigentes da greve, membros ou não do Sindicato, tomaram atitudes firmes e corajosas”.
“Até que passados três dias de luta, se obtiveram aumentos de 60$00 para todas as categorias, exceto para os aprendizes (menores de ambos os sexos)” e para as empalhadeiras, adiantou o autor.
Lembrando que “só os vidreiros da Marinha Grande fizeram greve”, apesar de terem tentado que esta “se efetuasse a nível nacional”, o livro adiantou que “a polícia de choque começou a abandonar a Marinha Grande no sábado de madrugada, portanto ao terceiro dia de greve, 16 de março, pressupondo-se que, devido à chamada ‘Intentona das Caldas’ (…), as forças do regime eram mais necessárias noutros pontos do país e/ou em prevenção”.