Cientistas da Universidade de Coimbra identificam marcadores intestinais que podem permitir detetar precocemente a doença de Parkinson

Uma equipa de cientistas da Universidade de Coimbra (UC) identificou novos biomarcadores – indicadores presentes no corpo humano que sinalizam o surgimento de doenças – no intestino, que acreditam poder vir a ser utlizados em futuras estratégias de diagnóstico precoce da doença de Parkinson, eficazes para evitar a progressão desta doença do intestino para o cérebro.


No artigo Gut-first Parkinson’s disease is encoded by gut dysbiome, publicado na revista científica Molecular Neurodegeneration, a equipa liderada pela docente da Faculdade de Medicina da UC (FMUC) e investigadora do Centro de Neurociências e Biologia Celular da UC (CNC-UC) e do Centro de Inovação em Biomedicina e Biotecnologia (CiBB), Sandra Morais Cardoso, e pelo investigador do CNC-UC e do CiBB, Nuno Empadinhas, demonstrou que o microbioma intestinal (conjunto de microrganismos que habitam o intestino) tipicamente alterado em pessoas com a doença de Parkinson, tem propriedades suficientes para desencadear alterações intestinais e sistémicas que levam ao surgimento de marcas neuropatológicas características desta doença.


Em estudos anteriores, os líderes desta investigação e as suas equipas já tinham demonstrado
mecanismos pelos quais alguns casos da doença de Parkinson podem ter origem no intestino por disfunção crónica do seu microbioma.

Nesta doença, alterações gastrointestinais como obstipação crónica são manifestações não motoras que frequentemente surgem anos antes dos sintomas motores.


Neste novo estudo, além de confirmarem como a doença de Parkinson pode ser desencadeada no intestino, os investigadores identificaram “a presença de marcadores inflamatórios e de agregados da proteína alfa-sinucleína – o marcador cerebral clássico da doença – no íleo (uma região do intestino delgado), que podem servir como biomarcadores da fase prodromal da doença, ou seja, da fase que indica etapas iniciais da doença no intestino, antes desta evoluir para o cérebro”, destaca Sandra Morais Cardoso.


Os investigadores analisaram as consequências da exposição crónica de ratinhos ao microbioma intestinal obtido de doentes com Parkinson.

Esta transferência resultou em processos de inflamação exacerbada e na formação de agregados de alfa-sinucleína no intestino dos ratinhos, reações associadas à perda da integridade da barreira intestinal. Esta disfunção cumulativa levou a processos de inflamação sistemática crónica, e culminou em neuroinflamação.


Tanto a neuroinflamação como a acumulação de alfa-sinucleína no cérebro contribuem para a perda de neurónios.


Ao conhecer este processo, os cientistas acreditam que, ao intervir nas alterações no intestino, será possível impedir que os seus efeitos avancem até ao cérebro, retardando assim a morte dos neurónios.

“A deteção precoce de marcadores inflamatórios e agregados de alfa-sinucleína no intestino permitirá intervir antes que ocorram danos cerebrais significativos”, destacam os cientistas.


“Esta antecipação não apenas facilita a realização de ensaios clínicos para testar intervenções capazes de impedir a progressão da doença, mas também oferece a esperança de atrasar ou até mesmo prevenir a manifestação dos sintomas neurológicos, melhorando, assim, a qualidade de vida de doentes e aliviando a carga social e económica associadas a esta condição de saúde”, acrescentam.


A equipa de investigação estudou, igualmente, amostras do íleo terminal retiradas por colonoscopia de doentes onde identificaram os mesmos biomarcadores.

A análise destes dados revelou-se também promissora pois foi possível identificar marcas da manifestação da doença de Parkinson no intestino.

Perante este resultado, Sandra Morais Cardoso e Nuno Empadinhas acreditam que “embora ainda não conheçamos em detalhe a combinação de micróbios e metabolitos que está na origem da disfunção do microbioma intestinal, a deteção de marcadores inflamatórios e agregados de alfa-sinucleína no íleo terminal através de colonoscopia com biópsia entre os 50 e 55 anos, permitirá identificar uma população de indivíduos com risco acrescido de desenvolver a doença”.

“Esta abordagem permitir-nos-ia intervir precocemente e impedir a progressão até ao cérebro desta doença neurodegenerativa, atualmente incurável”, elucidam.


Segundo a Organização Mundial da Saúde, em 2024 mais de 10 milhões de pessoas vivem com a doença de Parkinson, enquanto em 2016 havia registo de 6,1 milhões de casos.

“O número de novos casos da doença tem aumentado de forma alarmante, sendo já considerada uma pandemia.

Estima- se que, até 2040, o número de novos casos anuais possa ultrapassar os 17 milhões”, contextualiza Sandra Morais Cardoso.

Em Portugal, cerca de 20 mil pessoas vivem atualmente com a doença.


“Esta descoberta de novos biomarcadores pode desempenhar um papel vital na implementação de estratégias de prevenção, beneficiando doentes e a sociedade em geral”, partilham os cientistas.


“Abre novos caminhos para futuras estratégias de diagnóstico que permitam a deteção da doença de Parkinson em fases precoces, uma meta tangível com o esforço e colaboração de diversas áreas da medicina, sinergia que foi aliás fundamental a este estudo interdisciplinar, que envolveu neurocientistas, microbiologistas, neurologistas e gastroenterologistas da Universidade de Coimbra e do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra (CHUC) da Unidade Local de Saúde de Coimbra (ULS Coimbra)”, sublinham Sandra Morais Cardoso e Nuno Empadinhas.


A partir dos resultados revelados neste estudo, os cientistas estão já a explorar novas linhas de investigação “que visam neutralizar o processo inflamatório no intestino, antes da propagação da doença de Parkinson para o cérebro”, avançam os investigadores.

Os resultados preliminares “são promissores, indicando que estratégias como esta, de neutralização numa fase precoce, podem ter impacto significativo na modulação da inflamação intestinal, na preservação da integridade da barreira intestinal e bloqueio da propagação da doença para o cérebro”, revelam.


A investigação foi financiada por fundos da Fundação para a Ciência e a Tecnologia e da Cure
Parkinson’s. Participaram neste estudo vários investigadores do CNC-UC, da FMUC, do Centro de Ecologia Funcional da UC, e também dos Serviços de Neurologia e de Gastroenterologia do CHUC – ULS Coimbra.


O artigo científico está disponível em https://doi.org/10.1186/s13024-024-00766-0.