A menos de três meses da esperada visita do Papa Francisco a Portugal, os caminhos que levam a Fátima voltam a encher-se de peregrinos, retomando a normalidade pré-pandémica dos dias antes de 12 e 13 de maio.
Hoje, no percurso entre o Barracão, no concelho de Leiria, e Fátima, são milhares os que percorrem a pé os últimos quilómetros da peregrinação, muitos pela primeira vez, outros com já muitas viagens até ao Altar do Mundo nas pernas.
No posto de assistência aos peregrinos da Ordem de Malta instalado no Barracão, são muitos os que vão parando para uma massagem, uma lavagem de pés ou, simplesmente, uns minutos de descanso.
Rui Alves, coordenador operacional do apoio aos peregrinos na Ordem de Malta, com 28 anos de voluntariado, diz à agência Lusa que o principal problema com que os caminhantes chegam ao posto “é o cansaço extremo”.
“Felizmente, no grupo dos Caminhos de Fátima, tem-se feito um trabalho de sensibilização junto dos guias de peregrinos. Damos alguma formação, informamos que tipo de percursos é que devem fazer, que cuidados é que devem ter… e os peregrinos vêm com mais preparação”, admite.
Com uma equipa totalmente constituída por voluntários, Rui Alves explica que o efetivo da Ordem de Malta em cada posto “ronda os 45 a 50 pessoas”, entre médicos, enfermeiros, fisioterapeutas, entre outras valências.
Já Bernardo de Sousa Ribeiro, presidente do Corpo de Voluntários da Ordem de Malta, sublinha que são cerca de 120 os voluntários que a Ordem tem envolvidos no apoio aos peregrinos, dando resposta a um dispositivo distribuído entre Águeda e o interior do Alentejo.
“Os peregrinos já vêm mais bem preparados. Têm formação, vêm mais bem equipados em termos de calçado, o que leva a que, cada vez menos, recorram ao nosso serviço. Aqueles que recorrem já é em situações mesmo críticas”, adianta este responsável, acrescentando que “ao nível da coordenação do apoio às peregrinações a Fátima, são feitas duas reuniões, em fevereiro, com grupos de peregrinos, quer do norte, quer do sul, precisamente para dar essa preparação, essa formação, não só em termos de questões logísticas, mas também sobre os cuidados que os grupos devem ter ao longo da peregrinação para evitar que se cheguem a situações extremas de problemas de saúde”.
Estando envolvidos no apoio aos peregrinos de Fátima em maio e outubro, o Corpo de Voluntários durante o ano tem outras tarefas, como “apoio a peregrinações a Santiago, atividades assistenciais noutros âmbitos, seja no apoio a crianças e famílias desfavorecidas, apoio a reclusos nalguns estabelecimentos prisionais, apoio a crianças no estudo”, explica Bernardo de Sousa Ribeiro.
Enquanto fala com a Lusa, o presidente do Corpo de Voluntários da Ordem de Malta vê passar dezenas de peregrinos a caminho de Fátima, interpretando as razões que levam tanta gente a calcorrear tantas dezenas, ou centenas de quilómetros.
“Continua a haver peregrinos que fazem a peregrinação por razões de fé, mas também há os que vêm para saber como é que é. É uma outra forma de ver toda esta dinâmica das peregrinações. Mas o essencial são as pessoas que vêm a pagar promessas ou para ter uma experiência mais de nível espiritual”, reconhece este responsável, olhando já para o próximo desafio, a Jornada Mundial da Juventude (JMJ), para a qual a Ordem de Malta já tem mais de 40 voluntários integrados nas equipas de voluntariado da organização.
“Como Ordem de Malta anfitriã [da JMJ], estamos a apelar às nossas congéneres, sobretudo na Europa, que também se mobilizem para a jornada, e estamos a ter forte adesão, desde logo de Espanha, mas também da Alemanha, de Itália e de França”, sublinha Bernardo de Sousa Ribeiro.
Poucos quilómetros depois deste posto, Gil Reis, peregrino de Penafiel, de onde saiu no dia 05 de maio, prepara-se para se fazer de novo à estrada, na companhia de Aida Costa, de Baltar, Paredes, e Maria do Carmo, de Marco de Canaveses.
“Temos momentos bons, muita emoção, fé, que nos faz refletir muita coisa e rezar por nós, pela nossa família, pelos nossos amigos, pelas pessoas menos boas e pela JMJ, um evento único no país, e pela paz na Ucrânia”, diz Gil Peres, enquanto Aida diz estar a caminho da Cova da Iria “numa missão” que descobriu no caminho, afirmando estar a viver “uma experiência fantástica”.
Sobre o grande número de peregrinos na estrada, Maria do Carmo encontra uma explicação: “talvez a situação que estamos a passar a nível mundial. Foi a pandemia, agora a guerra, isso comove o ser humano com fé e o traz a vir pedir, a ver se as coisas melhoram”.
Quem não tem dúvida de que as coisas vão ficar melhores rapidamente são as dezenas de peregrinos que se concentravam, cerca das 12:00, no posto avançado da Obra do Bem-Fazer, de Paredes, que nesta peregrinação está a enquadrar mais de 500 pessoas em direção ao Santuário.
Em grandes panelões, vários homens iam mexendo a carne que iria, pouco depois, acompanhar o resto dos ingredientes num gigantesco arroz à valenciana para 620 pessoas.
Maria Fernanda, que há 18 anos apoia a Obra do Bem-Fazer, diz à agência Lusa que no apoio aos cerca de meio milhar de peregrinos estão envolvidos 120 voluntários. Para este almoço, esses voluntários prepararam 60 quilogramas de carne de vaca, 30 de carne de porco, 12 de ameijoa descascada e 12 com casca, 12 de miolo de camarão e 12 de camarão inteiro, nove de cenouras, 12 de ervilhas e cerca de 30 de arroz.
Tudo em grande, só possível com “uma equipa fantástica”, que prepara mais de 1.800 refeições por dia (pequeno-almoço, almoço e jantar, além de um pequeno lanche a meio da manhã). Diariamente, este grupo recebe 1.800 pães que, como os frescos, são adquiridos localmente.
Depois de almoçarem, o caminho continua e, poucos metros mais à frente, passam junto à imagem de N.ª Sr.ª de Fátima, em Saramago, Caranguejeira, onde muitos deixam coletes refletores, camisolas, bonés ou cachecóis, símbolos de uma jornada perto do fim.
Ali, Ricardo Faustino, de Trancoso, emigrante na Suíça, visivelmente cansado, acredita que a emoção que sentirá ao chegar a Fátima “vai ser enorme”.
Companheiro de jornada de Ricardo, mas vindo de Vila Pouca de Aguiar, Alcides Sabrosa, faz questão de dizer que não está a cumprir qualquer promessa, mas “só agradecer”.
“O que tenho chega-me”, acrescenta, a poucas horas de poder agradecer em plena Capelinha das Aparições.
As cerimónias, que assinalam o 106.º aniversário das aparições na Cova da Iria, serão presididas pelo cardeal Pietro Parolin, Secretário de Estado do Vaticano.
A presença de Parolin em Fátima é similar à que ocorreu em outubro de 2016, quando presidiu às cerimónias da última peregrinação aniversária daquele ano ao santuário, meses antes da visita do Papa Francisco, que em maio de 2017 canonizou na Cova da Iria os videntes Francisco e Jacinta Marto.
Desta vez, o Secretário de Estado do Vaticano estará em Fátima antes da esperada visita do Papa Francisco à Cova da Iria, no âmbito da Jornada Mundial da Juventude.
A peregrinação, cujo tema está ligado ao tema proposto pelo Papa Francisco para a JMJ – “Maria levantou-se e partiu apressadamente” — segue o programa habitual, com início no dia 12, sexta-feira, às 21:30, com o terço, seguindo-se a procissão das velas e a celebração da palavra, no altar do recinto.