A Câmara de Santa Maria da Feira vai investir quase 500.000 euros até final de 2025 para tratar e acompanhar pessoas com alcoolismo, dependência que, nesse concelho do distrito de Aveiro, aumentou na faixa etária dos 20 anos.
Cofinanciado ao abrigo de um plano de ação integrado para as comunidades desfavorecidas na zona sul da Área Metropolitana do Porto, o projeto intitula-se “Operação Amplifica-te” e destina-se, por um lado, a garantir apoio terapêutico a cidadãos nessas condições aditivas e, por outro, a facilitar a integração socioprofissional de doentes e recuperados.
A estratégia será coordenada pelo Departamento de Desenvolvimento Social, Saúde e Habitação do referido município, e conta com a parceria da associação “Ser + Pessoa”, que a autarquia aponta como a única instituição particular de solidariedade social da Feira com uma equipa especializada na prevenção da dependência etílica e da adição ao jogo, assim como no tratamento dessas patologias.
“Esta entidade já trabalha há muito tempo com a comunidade alcoólica e associou-se à Câmara neste projeto, para poder chegar a mais gente e reforçar a sua ação. Partindo de um diagnóstico realizado de forma participativa, com o envolvimento de várias instituições da rede social da Feira, identificaram-se as problemáticas mais atuais e vai-se agora consolidar esse trabalho, numa das fragilidades identificadas [que] foi a dificuldade em reintegrar alcoólicos recuperados”, declara Catarina Ferreira, do referido Departamento de Desenvolvimento Social.
A mesma responsável explica à agência Lusa que o problema está relacionado não só com o estigma que os empregadores continuam a associar aos alcoólicos recuperados, mas também com a postura de trabalhadores que não se reveem no conceito de dependência apesar de o seu comportamento laboral evidenciar claramente a influência do consumo excessivo de álcool – em aspetos como falta de pontualidade, absentismo, disposição inconstante, conflitos interpessoais, acidentes de trabalho, etc..
“Estas pessoas associam a dependência só a estupefacientes e acham que álcool não é uma droga. Com isso, acabam por não perceber como as suas atitudes influenciam a sua conduta e o seu relacionamento com outras pessoas, o que resulta numa crescente exclusão laboral e social, que se agrava cada vez mais e, nos casos sem retaguarda familiar, pode ter consequências dramáticas”, diz Catarina Ferreira.
Para lidar com essas e outras questões, o investimento da Câmara será distribuído por duas componentes: 192.000 euros serão aplicados na reabilitação de uma antiga escola que, cedida pela autarquia à Ser + Pessoa, passará a funcionar como morada dessa instituição; e 267.926 euros irão financiar os profissionais e recursos afetos a consultas médicas, acompanhamento psicológico, oficinas de competências, visitas domiciliárias e dinamização de grupos psicoeducativos e de autoajuda.
O diagnóstico que permitiu sinalizar essas necessidades identificou 447 indivíduos com adição etílica na Feira, sendo que, nesse universo, a faixa mais afetada é a masculina. O mesmo estudo apurou ainda que a dependência do álcool “está a aumentar nas pessoas mais novas, na faixa etária dos 20 anos”.
“E o pior é que os jovens veem esse consumo de álcool como uma situação normal, socialmente ‘fixe’. Vão sair e já levam álcool de casa, bebem nos bares e na rua também, e mesmo assim não percebem que é um uso abusivo – não notam que já não conseguem passar sem aquilo”, realça Catarina Ferreira.
Dessa falta de autoconsciência resulta que, na maioria dos casos, são os familiares desses jovens ou pessoas de relevo da sua rede profissional quem primeiro os alerta para a dependência e os referencia para tratamento – o que, por sua vez, gera outros conflitos, quando o indivíduo visado se mostra chocado com a interpretação dos colegas e demora a reconhecer o diagnóstico.
“É um processo muito difícil, que envolve muita gente, e a solução passa pela sociedade toda, porque é preciso que o excesso de álcool deixe de ser aceite e normalizado”, conclui a coordenadora da “Operação Amplifica-te”.