A defesa de um advogado de Coimbra acusado de 555 crimes de falsificação para ajudar clientes a escaparem a multas de velocidade pediu hoje a absolvição do seu cliente, realçando a elevada taxa de prescrição dos processos contraordenacionais.
O advogado de 40 anos, com escritórios em Coimbra e Pombal, e com especialização em contraordenações, está a ser julgado por 555 crimes de falsificação, sendo suspeito de “ludibriar” o sistema para os clientes escaparem a coimas por infrações do Código da Estrada.
O arguido cobraria 50 euros pelo serviço em que indicava o seu nome como o condutor infrator das multas passadas aos seus clientes, a maioria empresas, o que obrigava a um novo processo contraordenacional, que, em todos os casos em apreço, acabaram prescritos, por falta de resposta da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária (ANSR).
Nas alegações, que decorreram hoje à tarde no Tribunal de Coimbra, o advogado de defesa do arguido, Rui Silva Leal, realçou que o arguido confessou a prática dos factos constantes da acusação, mas questionou se tal se poderá enquadrar num crime de falsificação, questionando o próprio sistema que leva a que haja uma grande taxa de prescrições de multas que são contestadas.
Para a defesa, não havia intenção, por parte do arguido, de obter algum tipo de benefício para si ou prejudicar o Estado.
“Estamos a falar de um advogado que conhece muito bem o que se passa na ANSR e, como o arguido tem carta de condução, se soubesse que haveria possibilidade de ficar sem carta ao pôr o seu nome, não ia agir como agiu, porque, eventualmente teria a carta cassada”, realçou.
Rui Silva Leal sublinhou que o arguido, quando deu o seu nome aquando da receção das multas dos seus clientes, “sabia perfeitamente que não tinha nenhuma chance de vir a perder pontos ou ver cassada a sua carta”.
“O arguido pensou: ‘Não vou perder tempo, acelero o processo administrativo, indico já o meu nome, que isso não tem influência nenhuma, porque quero é rapidamente apresentar contestação”, sustentou, realçando que haveria a “certeza absoluta” no despacho de arquivamento.
Rui Silva Leal apontou para os casos em concreto, em que dos 555, só em 53 é que foi notificado para contestar, e na sua totalidade os processos contraordenacionais prescreveram.
A defesa apoia-se também na própria diretora da Unidade de Fiscalização de Trânsito que não há capacidade para dar resposta aos processos contestados.
“Quem alguma vez foi autuado por excesso de velocidade sabe perfeitamente que, se apresentar uma contestação, prescreve. É sempre assim”, vincou, realçando que a intenção do arguido era, sobretudo, contestar a contraordenação.
O advogado recordou ainda que o Ministério Público e a PJ, neste caso em particular, chegaram a pensar que poderia haver um crime de corrupção e que alguém na ASNR estaria a receber para garantir que os processos prescreviam, “sem se aperceberem que isto é o dia-a-dia da ASNR, que não tem pessoal”.
Apesar de pedir a absolvição, Rui Silva Leal entende que, caso haja algum tipo de condenação, esta deve ser por um crime único e nunca de falsificação de documento — considera que não houve intenção de prejudicar o Estado ou terceiros -, mas de um crime de falsas declarações.
Já a procuradora do Ministério Público pediu a condenação por 554 dos 555 crimes de que o arguido vem acusado, defendendo a absolvição de um desses crimes.
Antes das alegações, quando o arguido se pronunciou, a juíza que preside o coletivo, Ana Gordinho, notou que o advogado parecia “estar convencido de que não lhe ia acontecer nada”.
“O senhor disse que tinha 100% de sucesso neste tipo de contraordenações. Parece-me que há aqui alguma arrogância intelectual, de que achar que nunca o iriam apanhar. Quem faz isto, é como se achasse que nada lhe ia acontecer”, notou.