O presidente da Câmara de Viseu, Fernando Ruas, critica a proposta do Programa Mais Habitação relativa à simplificação do licenciamento, por considerar que tira autonomia aos municípios.
Acho que se pode entrar numa espiral facilitista, [em que se coloca à margem] quem tem depois responsabilidades de vir a terreiro justificar esta ou aquela decisão”, afirmou à agência Lusa o antigo presidente da Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP).
No seu entender, trata-se de “uma intromissão naquilo que é a responsabilidade dos municípios“.
“Se isto se começa a alargar a outros campos, um dia destes temos o Governo a decidir sobre aquilo que são áreas específicas dos municípios”, alertou o autarca social-democrata.
A pedido da ANMP, o Governo decidiu prolongar, até sexta-feira, a consulta pública de três propostas de lei do Programa Mais Habitação, uma das quais sobre a simplificação e agilização dos licenciamentos das operações de loteamento e das operações urbanísticas.
Uma das medidas, considerada pelo Governo “muito inovadora”, prevê que os projetos de arquitetura e de especialidades deixem de estar sujeitos a licenciamento municipal, passando a haver um termo de responsabilidade dos projetistas e “ficando o licenciamento municipal limitado às exigências urbanísticas”.
Outra medida prevê “que haja efetiva penalização financeira das entidades públicas quando não respeitem os prazos previstos na lei para a emissão de pareceres ou tomada de decisão, passando a correr juros de mora a benefício do promotor”.
“Espero que [esta proposta] venha a ser alterada. É retirar autonomia dos municípios. E, por outro lado, é quase voltar aos tempos da ‘outra senhora’. Então como é que é? Só é preciso alguém ter uma declaração de responsabilidade e depois o município é só ouvido a posteriori?”, questionou Fernando Ruas.
O autarca disse não entender como se podem “pôr à margem os municípios” neste processo, “num setor que é determinante”.
Além disso, “as autarquias podem ser apanhadas muito mais tarde com processos que lhe passaram à margem”, alertou.
O autarca de Viseu criticou também que os apoios ao crédito à habitação deixem de fora a classe média, levando-a a optar pelo arrendamento.
“O crédito à habitação tem estado muito direcionado para a classe média baixa e toda a gente precisava de habitação. Mesmo que ela abrangesse a classe média dos Censos, era bom, era uma forma de dinamizar o mercado da habitação”, defendeu.
No entender do antigo líder da ANMP, “a pressa não é boa conselheira” e, se não é bom andar a “arrastar os pés”, o mesmo se passa com “tentar fazer em cinco [anos] aquilo que não se fez em 50”.
“É um horizonte temporal muito curto para a grande reforma que se quer, numa altura em que há muita gente ocupada com o Plano de Recuperação e Resiliência que é preciso executar. Acho o horizonte temporal muito curto”, sublinhou.
Fernando Ruas considerou não ser compreensível o Governo “pensar em aumentar drasticamente a habitação, o que é necessário, e ter ao mesmo tempo tantos prédios da responsabilidade da administração central e não os disponibilizar para a habitação”.
O Ministério da Habitação prolongou a consulta pública das propostas de lei 64, 73 e 74, que serão aprovadas no Conselho de Ministros de 30 de março, seguindo depois para a Assembleia da República.
Na terça-feira, a atual presidente da ANMP revelou que a associação vai enviar ao Governo um conjunto de contributos para melhorar o Mais Habitação, de forma a “responder às reais necessidades do país”.
“Têm de ser mantidas as condições para que sejam verdadeiramente os municípios a gerir a sua gestão urbanística, os seus serviços, e não passar para a esfera exclusivamente privada”, sustentou Luísa Salgueiro.
No que toca à questão da alteração do uso dos solos de outros fins para habitação, por exemplo, a autarca de Matosinhos sublinhou que esta deve ser “muito cautelosa”.