Fundação e presidente vão a julgamento por maus-tratos a utentes de lar em Aveiro

O Tribunal da Relação do Porto (TRP) decidiu levar a julgamento a Fundação CESDA e o seu presidente pelo crime de maus-tratos aos utentes de um lar gerido pela instituição em Aveiro, devido à alegada falta de funcionários.

O acórdão, datado de 18 de outubro e consultado hoje pela Lusa, concedeu parcial provimento ao recurso do filho de uma utente, revogando a decisão recorrida, que deverá ser substituída por outra, da qual resulte a pronúncia da Fundação pertencente à igreja Metodista e do seu presidente.

Contactado pela Lusa, Eduardo Conde, presidente da Fundação CESDA, mostrou-se tranquilo quanto ao facto de o caso seguir para julgamento e negou a existência de falta de funcionários, afirmando que à data dos factos até havia “funcionários a mais do que os acordos da Segurança Social estipulavam”.

O processo surgiu na sequência de uma denuncia apresentada pelo filho de uma idosa, que se queixa de ter sido mal alimentada e sofrido diversas lesões enquanto foi utente da estrutura residencial, entre 2018 e 2020, devido à falta de funcionários para assegurar os cuidados aos utentes de forma adequada.

O caso foi arquivado pelo Ministério Público (MP), mas o assistente pediu a abertura de instrução, na sequência da qual veio a ser proferido o despacho de não pronuncia, por não ter sido detetada qualquer conduta dolosa perpetrada pelo lar contra os utentes, pese embora se tenha verificado “eventuais situações de negligência a nível da prestação de cuidados e assistência aos utentes por parte da respetiva instituição”.

Inconformado com a decisão, o assistente recorreu para a Relação que lhe deu agora razão e pronunciou a Fundação e o seu presidente pelos factos descritos no requerimento de abertura de instrução, mantendo a decisão de não pronuncia quanto ao secretário do conselho executivo.

O acórdão do TRP refere que a generalidade das testemunhas inquiridas afirmou que a instituição não dispunha de funcionários suficientes para prestar adequadamente os necessários cuidados aos idosos, designadamente para prover à sua alimentação e higiene pessoal e, ainda, para a mobilização daqueles que, como a vítima, não se podiam movimentar sozinhos.

Uma antiga chefe de equipa do lar referiu que nos últimos três/quatro anos em que trabalhou na instituição “verificou que a qualidade dos serviços prestados aos utentes se deteriorava, passando os utentes com maior grau de dependência a estar mais tempo do que deviam na mesma posição, sem que fosse efetuada a rotação do corpo, assim como as fraldas eram mantidas mais tempo do que aquele que seria aconselhável”.

Assim, e ao contrário do decidido pelo Tribunal de Instrução Criminal, os juízes desembargadores concluíram ter havido uma situação de maus-tratos por parte da Fundação e do seu presidente, imputável a título omissivo, tendo o segundo arguido atuado, pelo menos, com dolo eventual.

“Comete o crime de maus-tratos, por omissão, a instituição e respetivo representante legal (presidente do conselho executivo), que, por não dispor da quantidade de funcionários suficiente, omite a prestação dos cuidados de alimentação, higiene e mobilização dos utentes mais vulneráveis e dependentes, com a frequência e qualidade necessárias, causando-lhes lesões e consequente sofrimento físico e psíquico-emocional”, refere o acórdão.

A Relação ordenou ainda a comunicação ao MP de factos que podem estar relacionados com a alegada prática do crime de maus-tratos por uma mulher, referenciada pela generalidade das testemunhas como sendo a “administradora do lar”.