Advogado de ucraniano julgado em Viseu critica justiça portuguesa

O advogado de defesa do ucraniano acusado de ter matado um russo à facada em Viseu, em 2002, defendeu hoje que ele não andou fugido à justiça portuguesa e que esta é que “não foi cautelosa o suficiente”.

A leitura do acórdão estava marcada para hoje de manhã no tribunal de Viseu, mas a necessidade de traduzir ao arguido o relatório social para determinação da sanção levou à reabertura da audiência de julgamento.

Depois de, com a ajuda de uma tradutora, ter conhecido o teor do relatório, o ucraniano Sergiy Uvarov, de 47 anos, voltou a pedir perdão à família do russo David Iliutchenko e a manifestar o desejo de ajudar a família (mulher e duas filhas) que constitui depois de ter casado, em 2010.

Já o seu advogado, Elísio Lourenço, aproveitou para dizer que “a justiça não foi cautelosa o suficiente no sentido de que o arguido tomasse conhecimento dos seus direitos”.

Segundo o advogado, a morada de Sergiy Uvarov na cidade de Toretsk (quer em casa dos pais, quer depois na casa para onde se mudou quando casou) era conhecida, porque na Ucrânia qualquer cidadão é obrigado a informar o sistema policial da alteração de morada.

A justiça portuguesa só conseguiu localizar Sergiy Uvarov 20 anos depois. Ao tentar fugir da guerra na Ucrânia para se ir encontrar com a família em Itália, foi detido na fronteira com a Polónia e, desde então, tem estado em prisão preventiva.

Elísio Lourenço considerou que a justiça portuguesa “não foi diligente e isso tem consequências”, relacionadas com a declaração de contumácia.

Em Portugal, os prazos de prescrição interrompem-se com a declaração de contumácia (voltando ao início) e suspendem-se enquanto esta vigorar. Sem ela, os crimes de que Sergiy Uvarov está acusado estariam prescritos.

Para que alguém seja declarado contumaz, como aconteceu com Sergiy Uvarov, é necessário que tenham sido feitas as diligências necessárias para notificar o arguido, primeiro pessoalmente ou por carta registada e, se isso não for possível, depois por editais.

A defesa tentou provar que, mesmo que os pais do arguido tivessem recebido cartas, não as teriam entendido, uma vez que não foram traduzidas e a diferença dos alfabetos usados em Portugal e na Ucrânia impediria a compreensão até do próprio nome do filho. Também os editais não foram traduzidos.

Neste âmbito, tinha já apresentado uma queixa contra o Estado português no Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, por entender que, não tendo estas tentativas de notificação sido válidas, a declaração de contumácia deve ser considerada nula.

Perante um tribunal de júri (constituído por três juízes do coletivo, quatro cidadãos efetivos e quatro suplentes), Sergiy Uvarov confessou, em novembro do ano passado, ter matado David Iliutchenko, numa casa de Viseu onde viviam cidadãos da Europa do Leste, mas argumentou que só pretendia empurrá-lo para o afastar.

Sergiy Uvarov está acusado de um crime de homicídio, de que foi vítima o russo David Iliutchenko, apontado como elo de ligação entre máfias de imigração ilegal. Está também acusado de dois crimes de homicídio na forma tentada, por alegadamente ter ferido os ucranianos Valeriy Bigvava e Igor Garcucha.

Segundo Sergiy, a morte de David Iliutchenko ocorreu no dia seguinte ao russo ter dado indicações para que ele, Boris Nikandrov e Roman Lysenko esperassem numa paragem de autocarro por uma pessoa de uma empresa de construção que lhes iria dar trabalho e alojamento.

Como não aparecia ninguém, ele e Boris telefonaram para David, que inicialmente lhes ia dizendo para esperarem e depois desligou o telemóvel. Os três acabaram por passar a noite junto ao cemitério, “sem dinheiro, sem água e sem comida”, e só na manhã seguinte conseguiram regressar a casa de autocarro, acrescentou.

De acordo com Sergiy, Boris terá sido espancado porque confrontou David com o facto de eles os três lhe terem pago dinheiro para ele lhes arranjar trabalho e não ter cumprido o acordado. Posteriormente, David também lhe bateu quando procurava o telemóvel para pedir ajuda para o amigo.

Sergiy disse que pagou 300 euros a “uma agência turística” da Ucrânia e depois mais 480 euros a David, que seria a pessoa encarregada de resolver “todas as questões” em Portugal. Do dinheiro que trouxe para Portugal, ficou apenas com cerca de 50 euros.

A leitura do acórdão ficou marcada para sexta-feira, às 15h30.