Lisboa, 15 de outubro de 2024 – Dez anos após o colapso do Banco Espírito Santo (BES) e do Grupo Espírito Santo (GES), o julgamento do caso BES/GES terá início esta terça-feira, no Juízo Central Criminal de Lisboa. Considerado um dos maiores escândalos financeiros da história portuguesa, o processo envolve mais de 300 crimes e 18 arguidos, incluindo o ex-banqueiro Ricardo Salgado, outrora figura de proa do sistema financeiro nacional.
O julgamento promete ser um marco na justiça portuguesa, com o Ministério Público (MP) apresentando a acusação que engloba um conjunto vasto de crimes que vão desde associação criminosa a burla qualificada e branqueamento de capitais. O ex-presidente do GES, Ricardo Salgado, que enfrenta um total de 62 crimes, terá de responder perante o coletivo de juízes liderado pela magistrada Helena Susano. Entre os crimes imputados estão ainda manipulação de mercado e falsificação de documentos, com atos praticados entre 2009 e 2014.
Além de Salgado, outros nomes de peso do antigo universo GES estarão no banco dos réus, incluindo Amílcar Morais Pires, Manuel Espírito Santo Silva e Isabel Almeida. No total, o processo conta com 18 arguidos e um número expressivo de vítimas e assistentes: 1.698 pessoas com estatuto de vítima e 120 assistentes representados por 58 advogados. Estima-se que muitos dos assistentes irão fazer uso da palavra durante as sessões.
Início de um julgamento histórico
A primeira sessão está agendada para as 09h30 e marcará o início de uma longa série de audiências. Serão 14 sessões até ao final de outubro, das quais as primeiras quatro se focarão nas alegações iniciais do MP e na defesa dos arguidos. Na quinta-feira, espera-se o início das audições de testemunhas, começando com a reprodução do depoimento do falecido António Ricciardi, ex-presidente do Conselho Superior do GES, cujo testemunho foi prestado em 2015 durante a fase de inquérito.
O caso está envolto em grande expectativa mediática, e manifestações são esperadas às portas do tribunal, com protestos organizados por associações de lesados do BES e uma ação em memória das vítimas que já faleceram na esperança de reaver o seu dinheiro.
Ricardo Salgado, o rosto do processo
Ricardo Salgado, que durante décadas foi uma das figuras mais influentes do setor bancário em Portugal, é o principal arguido deste caso. O ex-banqueiro, que se encontra a ser investigado desde 2014, viu a sua saúde deteriorar-se nos últimos anos, apresentando, segundo a defesa, um quadro de Alzheimer. No entanto, o tribunal recusou o pedido para que Salgado fosse dispensado de comparecer no julgamento, o que gerou controvérsia entre os seus advogados e o MP.
A estratégia do MP
O Ministério Público, liderado por José Ranito, atual Procurador europeu português, acusa Ricardo Salgado de ter encabeçado um esquema fraudulento que permitiu a apropriação indevida de património alheio. Para isso, o ex-banqueiro teria recorrido à falsificação sistemática de demonstrações financeiras, enganando não só os credores e acionistas, mas também as entidades de supervisão nacionais e internacionais.
A acusação do MP destaca ainda que este esquema só foi possível devido a uma “estrutura organizada” dentro do GES, composta por células especializadas em auditoria, supervisão e intermediação financeira, que permitiram a perpetuação dos crimes e a dissimulação de irregularidades financeiras.
Um julgamento que promete agitar a sociedade portuguesa
O processo BES/GES representa um capítulo crucial para a justiça portuguesa, pois traz à tona questões sobre a impunidade no setor financeiro e o impacto devastador dos crimes financeiros na sociedade. Este julgamento, além de Ricardo Salgado e outros ex-dirigentes do BES, inclui também as sociedades Rio Forte Investments, Espírito Santo Irmãos, SGPS e Eurofin, aumentando o espectro de envolvimento no colapso do GES.
Com a entrada em cena das primeiras alegações e a expectativa de declarações fortes, este julgamento será observado de perto não só pelos intervenientes diretos, mas também pela opinião pública, que há muito espera por respostas e justiça neste que foi o maior escândalo financeiro do século em Portugal.