Os trabalhadores da rádio exigem melhores condições de trabalho. Um deles, Filipe Santa-Bárbara, espera que a paralisação sirva ainda de exemplo para que a classe jornalística olhe mais para as suas próprias dificuldades.
A programação regular da TSF está condicionada devido a uma greve de 24 horas dos trabalhadores desta rádio”. A voz de Fernando Alves pinta uma imagem de uma rádio em protesto: não há noticiários, não há notícias, não há notificações ou alertas. Pela primeira vez em 35 anos, a TSF ‘desligou os microfones’, após meses de luta por melhores condições e por sinais de “desrespeito” pela administração da rádio.
A greve durará 24 horas, e será acompanhada por duas concentrações: uma em Lisboa, nas Torres de Lisboa, e outra no Porto, junto às respetivas instalações, ambas às 10h30.
Na base da paralisação estão três motivos que, segundo Filipe Santa-Bárbara, jornalista e porta-voz dos trabalhadores da TSF, motivam os jornalistas, animadores, técnicos e todos os restantes trabalhadores a exigir “respeito”. A primeira são os dois meses de salários em atraso, entretanto pagos, sem que houvesse “nem sequer um e-mail a avisar que esse atraso ia acontecer”.
“Não houve um e-mail, não houve uma justificação, não houve um aviso, um pedido de desculpas, nada”, esclareceu o jornalista, em declarações à TVC.
Também no âmbito das remunerações dos trabalhadores, Filipe Santa-Bárbara explicou que os trabalhadores estiveram “meses e meses” em negociações com a administração do órgão, do grupo Global Media (que é também dona do Jornal de Notícias, Diário de Notícias, Dinheiro Vivo, O Jogo, entre outros órgãos de comunicação social), com vista a ajustes salariais decorrentes da inflação.
“Chegámos a um ponto em que decidimos não rejeitar uma proposta feita pela administração, e depois de repente a proposta ficou em limbo”, vincou o porta-voz, sem resposta às diligências feitas pelos sindicatos e sem se saber quando seria aplicada a proposta.
Trabalhadores concentram-se hoje em Lisboa, nas Torres de Lisboa, e no Porto, junto às respetivas instalações, às 10h30.
E, finalmente, o último sinal de desrespeito foi o afastamento “assim sem mais nem menos” de Domingos de Andrade, diretor da TSF “que sempre esteve na frente na defesa da redação e da autonomia editorial da TSF”, e a entrada de Rui Gomes, sem aviso e sem a consideração obrigatória do Conselho de Redação.
“Os trabalhadores souberam através de um comunicado, sabem inclusive quem é o sucessor, e ao abrigo da Lei do Jornalismo prevê-se que o Conselho de Redação tenha de ser ouvido na substituição e nomeação, e tal não houve”, disse Santa-Bárbara, alertando que, mesmo que o parecer do conselho não seja vinculativo, este é obrigatório e “tem de ser comunicado à Entidade Reguladora da Comunicação [ERC]”.
“Uma luta pelo jornalismo livre e independente”
Os trabalhadores da TSF já fizeram greve anteriormente, mas apenas no âmbito de greves gerais e de uma greve contra o despedimento coletivo no grupo Global Media (uma medida que tem sido recorrente na organização detida, na sua maioria, pelo empresário Marco Galinha).
No entanto, Filipe Santa-Bárbara admite, a título pessoal, que esta greve não é só uma luta da TSF. A classe jornalística muito raramente paralisa, sendo um ramo onde a precariedade está mais do que normalizada – como se viu graças a um ficheiro Excel que circulou pelas redes sociais, onde vários profissionais elencaram as suas condições de trabalho.
Por isso, o jornalista espera que a paralisação da TSF demonstre que esta é também “uma luta pelo jornalismo independente, livre, pelo jornalismo com condições, e é também por isso que desafiamos todos as pessoas que se queiram juntar nas concentrações para que se juntem”.
“Portugal não tem uma grande tradição de cobertura do setor dos média, não se fala de jornalismo. Quantas vezes nós damos as greves de tantos setores e tantas empresas, e nunca falamos dos nossos problemas e daquilo que nos atinge. E se o jornalismo é um pilar da democracia, e tantos alertas que o Presidente da República já fez acerca da necessidade de defender o jornalismo, caramba, penso mesmo que está é mesmo a forma de mostrarmos que estamos aqui, estamos vivos, e queremos continuar aqui, mas deixem-nos continuar a trabalhar. É um grito que mistura revolta com frustração, mas também com vontade de fazer mais”, vincou o jornalista.
Questionado sobre os efeitos da greve, Filipe Santa-Bárbara confessou que “detesta ter que utilizar a expressão ‘balanço positivo’, no sentido em que uma greve nunca tem motivos positivos”. Mas o jornalista enalteceu que, numa altura sombria na história da rádio, o maior dos impactos, “o que custa mais”, é que “do ponto de vista da vontade e dos trabalhadores, este dia é claramente muito bom”.
“Se há coisa que é possível afirmar – e eu, enquanto porta-voz dos trabalhadores, posso afirmar, pelos meus colegas e amigos – é que só estamos a fazer isto porque, de facto, como dizia o Emídio Rangel na altura da fundação da TSF, somos movidos por uma inesgotável paixão pela rádio. É com muita pena que, 35 anos depois dessa mensagem inicial do Emídio Rangel, nós tenhamos que desligar o microfone”, lamentou.